A Segurança Pública brasileira está em fase de transformação, desde o advento da Constituição Federal de 1988 a sociedade brasileira tem buscado encontrar uma identidade em seus órgãos de segurança pública, a própria formação dos encarregados da aplicação da lei no País passa por um momento de busca de identidade.
O chamado ciclo de polícia, que é incompleto nas polícias estaduais, currículos para a formação de policiais os mais diversos possíveis, vicissitudes, limitações de recursos de toda sorte, desde os humanos aos operacionais, logísticos, salariais, também fazem parte do trabalho policial, não só aqui no Brasil, mas em toda parte do mundo.
Todavia, nunca me acostumei a pouca valia profissional e porque não dizer como ser humano, que o Estado proporciona aos homens e mulheres que fazem parte das corporações policiais. Deixo claro que me refiro ao Estado como unidade administrativa, política e social e não como unidade federativa.
Desta menos valia posso citar como exemplo o pouco preparo profissional que os policiais recebem em seus cursos de formação e o quase completo abandono por parte do Estado e de seus poderes constitucionais, durante a vida profissional, na promoção de treinamentos e atualizações de conhecimentos. Os equipamentos de proteção individual, tais como coletes balísticos, calçados adequados, roupas com tecidos apropriados e com formatos desenvolvidos para o exercício de atividades específicas, treinamento com uso de armas de menor poder de letalidade, cintos operacionais, coldres e suportes para armas mais seguros e confiáveis, que não existem, ou são inadequados ou não são suficientes em números.
Conhecimentos e equipamentos estes que objetivam a excelência no desenvolver de suas atividades profissionais, a fim atender aos anseios da sociedade por uma polícia melhor e dar condições aos encarregados da aplicação da lei de exercerem suas atividades com mais segurança e que são conseqüência do investimento financeiro nos órgãos de segurança pública.
Esta realidade termina por coloca os profissionais encarregados da aplicação de lei, sempre em situações difíceis diante da complexidade dos problemas a serem enfrentados, situações que inevitavelmente resultam em lesões ou mortes, seqüelas e sofrimentos físicos e psicológicos permanentes a esses homens e mulheres. Homens e mulheres não são diferentes e nem vieram de lugar diferente de onde vem todo cidadão, da sociedade, das famílias brasileiras e como tal tem filhos, maridos, esposas, pai, mãe, amigos, em fim, famílias que os recebem após terem prestado serviços relevantes e indispensáveis à sociedade em condições de enfermidades.
Agora, vejo com muita preocupação e tristeza mais uma vez o Estado dar uma demonstração de menos valia à vida desses profissionais, pois ao invés de discutirem e criarem leis que melhorassem a qualidade do serviço de segurança pública prestado pelo Estado, tais como currículos básicos unificados para a formação do profissional de segurança pública, programas permanentes de atualizações profissionais, definição legal de equipamentos de proteção individual – EPIs, para o exercício da atividade policial, avaliações psicológicas periódicas, etc., discute-se o uso ou não de algemas e se cria dispositivo legal para tanto.
O incrível é que a existência de todas estas medidas já é uma realidade em outras profissões de segurança, como a de Vigilante, que são submetidos por força de lei a uma atualização profissional e a avaliação psicológica a cada dois anos, o uso de vestimenta balística pelo Vigilante que trabalha em bancos ou transportando valores também é disciplinado pela legislação de referência.
O absurdo de tal discussão é que ela foi motivada pela prisão, em nossa opinião, de um cidadão que teve todas as oportunidades sociais, familiares e porque não dizer legais de ser um cidadão cumpridor das leis do País e não ser protagonista de um dos maiores escândalos financeiros, morais e institucionais que o Brasil já viveu na sua história recente.
O uso das algemas no ato de prisão de suspeito de crime é um ato que objetiva exatamente a redução da possibilidade de reação violenta por parte da pessoa presa e a eventual necessidade do uso da força legal para garantir o cumprimento da lei, ou seja, é um ato proativo para exatamente não fazer uso da força. Tal comportamento deve ser regra e não exceção, pois a incolumidade física do preso é responsabilidade do Estado, como também é a do encarregado da aplicação da lei e a presunção de reação violenta é válida, como também é o direito de fuga e o de permanecer calado para não produzir prova contra si.
O que assistimos agora é uma interpretação completamente dispare da razão em concreto, razão está verificada por conhecimento de causa formada ao longo de meus 17 anos de polícia e repassado para mim também por outros policiais que exerceram a profissão antes de mim. É o policial que efetua a prisão e conduz o preso o único a possuir as informações necessárias para a tomada da decisão do uso ou não da algema, não é crível que tal decisão possa ser tomada por pessoa que não se encontra presente no ato da prisão do suspeito.
Depois da súmula vinculante N.° 11 a pergunta que se faz agora é “- O que deverá inibir a reação do conduzido preso no interior da viatura policial?” – Será a presença de armas ou mesmo a possibilidade do seu uso e o seu efetivo uso?. Triste é pensar que mais famílias de policiais perderão e chorarão seus entes queridos, mortos que foram em ocorrências que tiveram origem na ausência do uso da algema.
Fonte:
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