A corrupção entre os militares é menor do que no meio civil, afirma a procuradora-geral de Justiça Militar, Cláudia Márcia Ramalho Moreira Luz, reconduzida em abril para mandato de mais dois anos. A explicação está no controle maior das ações por serem as Forças Armadas sistema hierarquizado. Ela defende, no entanto, penas mais rigorosas para alguns crimes. “O Código Penal Militar é um monstro”, afirma em entrevista a O DIA. Escolhida pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, a partir de lista tríplice em que figurou em primeiro lugar, com 65% dos votos dos membros do MP Militar, Cláudia Márcia diz que a Justiça Militar é esquecida e malcompreendida. Nega o corporativismo e garante que há rigor nas apurações e punições.
O DIA: A corrupção é menor nas Forças Armadas ou, na realidade, ela vem menos à tona?
Procuradora-geral Cláudia Márcia: Creio que seja menor, pois, num sistema hierarquizado, há controle muito maior. As pessoas têm mais medo de se corromper e corromper as pessoas. Vou fazer comparação com as polícias. A Polícia Militar, embora apareça mais, é muito mais controlada do que as polícias civis, tanto a federal como a dos estados. Quando algum militar aparece com bens fora do padrão, chama mais atenção do que o servidor civil. Mas há corrupção, infelizmente. Agora, quando descoberta, a apuração tem muito rigor. Eles têm interesse que tudo seja bem apurado.
O DIA: Como fica o papel do Ministério Público num cenário em que teremos a Estratégia Nacional de Defesa?
Procuradora-geral Cláudia Márcia: Estamos acompanhando, indo a todas as reuniões, demonstrando nossa linha de atuação. Pois nós somos os grandes esquecidos. A Justiça Militar como um todo é malcompreendida. Não atentam para a necessidade dela. Sendo malcompreendida, é aquilo: “Não conheço e não gosto”. Ninguém atenta para o fato de que, para existirem Forças Armadas, que garantem a soberania do País e autodeterminação, tem que haver um direito especializado, um Ministério Público especializado, que atendam às suas peculiaridades. O juiz da liberdade não pode ser o mesmo juiz da obediência, da hierarquia e da disciplina. Imagine o soldado que discute uma ordem, alegando que o comandante tem que provar que aquela ordem é a mais correta. Então, a Justiça Militar tem rigor maior. E é preciso um MP que atente para isso. Nós não podemos ter uma composição de danos (como ocorre na Justiça comum). Outros valores entram em jogo. O leigo e até o operador do direito não conseguem perceber a necessidade da Justiça especializada.
O DIA: Não será porque em relação à Justiça Militar há a sensação de que existe corporativismo ao punir?
Procuradora-geral Cláudia Márcia: Isso é uma das maiores falácias. Se acompanhar um julgamento do Superior Tribunal Militar, constatará que, no caso de representação por indignidade do oficialato, de cada 10, nove são colocados para fora. Até hoje só vi escapar um. Às vezes são atos considerados pequenos, como desvios de quantias pequenas, que na Justiça comum poderia se enquadrar no princípio da insignificância penal. Se houve desvio de dinheiro público e ficou provado, difícil escapar, seja quem for e a quantia. Há o caso daquele militar que matou a namorada. Ele perdeu a farda. O médico que mata sua ex-esposa pode ficar até um tempo afastado da sua atividade, mas não deixa de ser médico.
O DIA: Na Justiça Militar, as condenações são mais ágeis?
Procuradora-geral Cláudia Márcia: Sim. E temos mecanismos processuais que contribuem para isso. Por exemplo, os recursos de embargos infringentes na Justiça comum são somente para defesa (se houve voto vencido favorável ao réu). Se o réu foi absolvido por maioria, o MP nos estados não tem como entrar com embargos infringentes para mudar a decisão. Na Justiça Militar, é possível, pois os embargos são para acusação e defesa. Já viramos muitos julgamentos com isso.
O DIA: Embora os processos não demorem tanto até a condenação final, as punições são mais brandas, não é?
Procuradora-geral Cláudia Márcia: Depende do delito. O estelionato no Código Militar tem pena de dois a sete anos. No comum, vai de a um a cinco anos. Para o furto simples, a pena é de até seis anos (no Código Penal comum é de até quatro). Mas não temos, por exemplo, a lei dos crimes hediondos. A mudança não foi estendida ao Código Militar. Esqueceram. Ou seja, o militar que faz tráfico tem pena menor... Sim, ele tem uma pena muito mais branda do que qualquer outro cidadão. O nosso código virou um monstro. Crimes mais sérios são punidos mais brandamente e crimes não tão sérios, como furto, são punidos com muito mais rigor.
O DIA: O MP propôs as mudanças que constam dos projetos de lei que estão na Câmara ou as fez em conjunto com as Forças Armadas?
Procuradora-geral Cláudia Márcia: Eu estou na Justiça Militar há 15 anos e ficava revoltada em ver as disparidades. Aproveitando que fui do Ministério Público do Rio, conversei com dr. Biscaia (o ex-deputado e ex-procurador-geral de Justiça, Antonio Carlos Biscaia) sobre a disparidade de penas e o deputado pediu que encaminhasse nossas reivindicações. Fizemos ampla discussão com nossos colegas do MP e elaboramos uma proposta. Ele fez algumas alterações e encaminhou os projetos. Agora, o Superior Tribunal Militar está formando comissão para também propor alteração. As Forças Armadas no momento dos debates apresentarão sua visão. O que está na Câmara é a visão do MP do que deve ser alterado. O projeto pode ser melhorado, aperfeiçoado, ouvindo outros segmentos da sociedade.
Fonte: http://odia.terra.com.br/portal/rio/html/2010/6/claudia_marcia_luz_o_codigo_militar_e_um_monstro_88003.html
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